Doença Bipolar – Mitos e Factos
“Ó Doutor ele(a) num minuto está tudo bem no seguinte está tudo mal, é bipolar, só pode”
Se ganhasse 1€ por cada vez que me dizem isto, já estava rico… Outra frase clássica que as pessoas geralmente dizem associando a doença bipolar é a seguinte: –“ele/ela tem dupla personalidade”-. Será que as pessoas com as características referidas têm mesmo Perturbação Bipolar?
Bom, na esmagadora maioria das vezes, não. A instabilidade do humor (estado de espírito/ânimo) é, de facto, uma das características dos doentes que padecem desta patologia. Contudo, esta manifesta-se de maneira diferente. Habitualmente, as mudanças de humor são mais continuadas no tempo, durando dias a semanas ou mesmo meses. Assim, por exemplo, um doente bipolar pode ter uma fase depressiva que dure 3 meses, retomar à eutimia (estado de humor/ânimo normal) e depois ter uma fase maníaca (caracterizada por humor eufórico, fase oposta à depressiva) que dure 2 semanas, seguida de retorno à eutimia ou directamente para uma fase depressiva. As variações repentinas do estado de ânimo mencionadas no início do texto, geralmente não se devem a nenhuma doença psiquiátrica propriamente dita, mas sim a características disfuncionais da personalidade das pessoas. Há vários traços disfuncionais ou mesmo perturbações da personalidade que cursam com grande instabilidade do humor, como a Perturbação Borderline da Personalidade que é muitas vezes confundida com a doença bipolar, mas isso, parafraseando os católicos, são contas de outro rosário.
Voltando ao tema, a Perturbação bipolar foi identificada nos finais do século XIX por Emil Kraeplin, distinto psiquiatra alemão responsável pelo desenvolvimento da Psiquiatria moderna. À data, a designação utilizada por Kraeplin foi de loucura maníaca-depressiva que ele distinguiu da dementia praecox (actual esquizofrenia) por esta ter um curso mais favorável, sem deterioração cognitiva e com fases perfeitamente assintomáticas. A designação evoluiu para psicose maníaco-depressiva e depois para a menos estigmatizante usada actualmente, Doença Bipolar, introduzida pelo sistema de classificação Americano DSM-III (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais).
Trata-se de uma patologia relativamente rara, acometendo pouco mais de 1% da população (já agora, bem menos do que aqueles que tem mudanças súbitas de humor) que se subdivide em 2 tipos: doença bipolar tipo I, a clássica, com alternância entre episódios depressivos e maníacos e a doença bipolar tipo II, mais frequente apesar de menos conhecida do público em geral; nesta predominam os episódios depressivos e não ocorrem episódios maníacos, apenas hipomaníacos.
No que diz respeito às manifestações clínicas, as fases hipomaníacas caracterizam-se por elação do estado de humor (euforia), aumento de energia, aceleração do pensamento e discurso (mais falador(a) que o habitual), aumento da auto-estima (por vezes até com alguma megalomania ou grandiosidade), diminuição da necessidade de dormir, aumento da líbido(desejo sexual) e envolvimento em comportamentos de risco (actividades radicais, gastos excessivos de dinheiro, entre outros). Quando os sintomas descritos duram mais de 5 dias consecutivos, surge sintomatologia psicótica acompanhante (delírios-ideias falsas que não correspondem à realidade ou alucinações que podem ser auditivas, tácteis, olfactivas, etc. Nota: as alucinações visuais celebrizadas, entre outros, no filme a mente brilhante, baseado na vida do matemático John Nash são raras, sendo habitualmente de etiologia orgânica, como nas demências por exemplo), provocam um défice marcado no funcionamento da pessoa (por exemplo incapacidade para trabalhar e cumprir as tarefas e obrigações domésticas), ou exigem internamento para reversão do quadro clínico configuram uma fase maníaca.
Resumindo a “matéria dada”, as fases maníacas são semelhantes às hipomaníacas, mas com maior duração temporal, maior gravidade e, consequentemente, maior afecção na vida das pessoas. Apesar de menos espectaculares e cinematográficas, as fases depressivas são as mais frequentes (principalmente no subtipo II como vimos anteriormente) e caracterizam-se por tristeza, anedonia (incapacidade de sentir prazer em tarefas anteriormente gratificantes), tendência para o isolamento social, diminuição da iniciativa (pode haver tendência a passar grande parte do tempo no leito-clinofilia), lentificação do pensamento e discurso, perda do apetite, entre outras opostas às supramencionadas nos episódios hipomaníacos e maníacos. Surpreendentemente talvez, nos casos graves, os sintomas psicóticos (delírios de temática de ruína e niilistas e quadro alucinatório) podem também estar presentes.
Outro sintoma alarmante é o da ideação suicida, a não menosprezar, dado que a patologia psiquiátrica onde ocorrem mais suicídios é, precisamente, na doença bipolar. Contudo, a apresentação clínica nem sempre é tão linear, podendo coexistir sintomas da linha maníaca e da depressiva simultaneamente, os chamados estados mistos que tem algumas particularidades especiais a abordar numa próxima oportunidade.
Para terminar, é importante passar a mensagem que esta doença tem um espectro de gravidade muito vasto, desde casos relativamente ligeiros até outros extremamente graves. No entanto, todos beneficiam de tratamento adequado, podendo os portadores desta patologia ter uma vida perfeitamente normal, se cumprirem regularmente a medicação (os famosos estabilizadores de humor, mas não só) e tiverem acompanhamento médico adequado.
João Machado Nogueira
(Médico interno de Psiquiatria)